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SOMBRIA SÃO PETERSBURGO: AS CONSCIÊNCIAS DE DOSTOIÉVSKI.

  • Foto do escritor: Fernanda Camargo
    Fernanda Camargo
  • 5 de fev. de 2021
  • 2 min de leitura

Edição portuguesa de Crime e Castigo. Publicação da Relógio D'Água Editores e tradução do russo, de António Pescada.


Como o título denuncia, Crime e Castigo (1866) submerge o leitor na consciência de um assassino. Raskólnikov, um estudante universitário pobre e atormentado, vagueia por uma São Petersburgo soturna e comete um assassinato. Praticado com frieza e um certo misticismo, o homicídio serve de detonador para emergirem uma consciência em estado de perturbação e um emaranhado de ideias e pensamentos sobre as razões que teriam motivado o crime. Esta é uma das linhas de força do romance: as labirínticas pulsões mentais do protagonista, que associam argumentos de toda ordem para o crime - filosóficas, políticas, sociais e pessoais.

Aqueles que se dedicaram à leitura de Fiódor Dostoiévski já desceram às lúgubres profundezas de seu mundo. O desequilíbrio da consciência de Raskólnikov espelha-se em toda a concepção do espaço de São Petersburgo que o texto oferece. Conhecemos o quadro vivo repugnante de uma cidade febril, abafada, que faz exalar o cheiro insuportável das ruas quentes de verão e do álcool das tabernas. Nesse ambiente de ruelas sujas, acotovelam-se operários, bêbados, semiloucos e outras figuras aparentemente sombrias. O meio físico se revela oportuno, portanto, para apresentar ao leitor uma multiplicidade de consciências, cada qual com um universo próprio - com repertório próprio de vivência. Denominada "polifonia", esta multiplicidade é o assunto de uma referência magistral sobre a literatura do autor russo: Problemas da poética de Dostoiévski, do pensador Mikhail Bakhtin.


Retrato de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), realizado pelo pintor Vasily Perov, em 1872.


Escreve Bakhtin que Dostoiévski cria as consciências das personagens de modo que o leitor mergulhe num jogo embaralhado de vários eus. Para esse tipo de elaboração estética, o narrador onisciente de Dostoiéviski, em terceira pessoa, singularmente não se empenha em subordinar, ao seu julgamento moral, a perspectiva das personagens. Vemos um trabalho cuidadoso do ficcionista em construir uma pretensa objetividade narrativa - sendo evidentemente bem-sucedido - e em proporcionar ao leitor uma complexa teia de pontos de vista. Frequentemente, aludimos à leitura como um gesto abastecedor de empatia e de alteridade (qualidade daquilo que é diferente de mim, que pertence ao outro). Justamente por isso, Antonio Candido, um dos maiores intelectuais brasileiros, reforça o caráter humanizante da literatura - porque ela vem nos suprir da presença do outro. Nesses encontros com o diferente de mim, Doistoiévski é, certamente, uma aventura genial.

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