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Qual é, afinal, o papel do artista? Lendo "O velho sábio e o jovem príncipe", de José Régio.

  • Foto do escritor: Fernanda Camargo
    Fernanda Camargo
  • 8 de set. de 2019
  • 3 min de leitura

José Régio (1901-1969), foi um dos principais nomes do Modernismo português. Todos o conhecemos por ser um dos idealizadores da revista Presença (1927), um marco da segunda geração modernista em Portugal.

Régio escreveu poesia, contos, romances, peças de teatro e se destacou como crítico da literatura e de outras artes.

"O velho sábio e o jovem príncipe" é um conto de sua autoria. É uma narrativa curta, de leitura deliciosa - que traz, escondida por uma máscara de simplicidade, uma questão que até hoje nos persegue: qual é, afinal, o papel do artista?


Caricatura de José Régio.


A fábula


Um velho sábio, ao se aproximar da morte, decide se retirar do convívio social, vivendo em perfeito idílio com a natureza. Leva consigo instrumentos fundamentais: papéis escritos, papéis em branco e seis livros que haviam sido, ao longo de sua vida, os seus "protetores, consoladores e conselheiros".

Certo dia, um acontecimento interrompe a sua vida pacífica: um homem ferido cai aos seus pés e, desfalecendo, pede-lhe ajuda. Recupera-se graças aos cuidados do velho sábio que desenvolve, pelo jovem, um amor paternal. Quando se encontra finalmente disposto, o homem revela-se um príncipe, o qual fugira do mundo hostil dos homens, repleto de ambições, de disputas de poder e de crueldade. O príncipe compartilha o seu desejo de se tornar um rei justo e, por isso, pede ao velho sábio que siga com ele ao seu reino, para que o oriente e acalme as impetuosidades de seu espírito. Oferece ao seu cuidador fortuna e poder, ao que o sábio reage indignado. Finalmente, ao oferecer-lhe o seu amor e a sua obediência, convence-o a retornar ao mundo dos homens.



"O eremita" (Gerrit Dou, 1670).


O artista: um predestinado em isolamento


É um lugar-comum na arte a representação de personagens idosas como grandes sábios. A caracterização construída por José Régio vai-se além. O velho sábio distingue-se de tal modo dos demais homens, que o seu arco enquanto personagem pode ser lido como a trajetória de um santo: domina grande sabedoria, vive as mazelas humanas, riquezas e poder não lhe interessam e, por fim, coloca-se em perfeito idílio com a natureza - afastando-se para a hora da morte (consciente dela).

A figura de santo coincide com outra, entretanto: a figura do artista. O velho sábio deixa a humanidade, levando consigo os seus instrumentos fundamentais: os seus livros de formação, as suas criações (papéis escritos) e obras por criar (papéis a escrever). Desloca-se da convivência humana, cuja descrição remete a um mundo hostil, cheio de conflitos e de sujeitos "cegos, desgraçados e maus". Fora dali, em seu isolamento, encontra a paz desejada.

É o aparecimento do príncipe, ferido da sua chegada, pois vem do mundo dos homens, que o fará experimentar o amor paternal e reconhecer a necessidade de se reintegrar à sociedade. Por isso, o ponto de vista que prevalece no texto de Régio é o entendimento de que o artista deve relacionar-se com a humanidade que o rodeia, não isolar-se numa torre de marfim. Portanto, a sabedoria do artista é desejada e necessária para o caminhar da sociedade.

O conto de Régio, embora breve e de potência aparentemente contida, caminha ao encontro de algumas características de sua obra: o elemento religioso (a figura do santo), que aqui coincide com a figura do artista, o qual, para ele, é um predestinado.



Retrato de José Régio.

"[...] Tudo se passa como se, chegando ao mundo, viesse cada artista herdeiro de conhecimentos adquiridos não sabemos em que vidas anteriores, nem por quais seus antepassados. Nesse pessoal e intransmissível tesouro - que é, talvez, o seu génio - colherá cada um as mais autênticas riquezas da sua obra. E mais parece que, por intuições e preexperiências pessoais, é encarreirada a vida dum artista: Assim poderá ele observar, experimentar, conhecer de facto o que, num certo sentido, já sabia; ou vinha predestinado a saber."

(José Régio. Introdução a Poemas de Deus e do Diabo, 1950).


O questionamento sobre o lugar e o papel do artista em "O velho sábio e o jovem príncipe" está numa produção posterior às publicações da revista Presença (1927, 1939). Nascida num conturbado momento histórico e político (a Grande Depressão, a Guerra Civil Espanhola, o avanço das ditaduras na Europa, a acensão de Hitler), a revista foi alvo da crítica da época, por trazer em seu conteúdo textos sem viés político: falava-se da arte e da sua crítica. Será que Régio, posteriormente, repensaria a própria obra e o próprio papel?

 
 
 

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